Autoridades e especialistas abordam direito e jurisprudência sobre o patrimônio cultural e natural

O segundo dia do Simpósio Internacional de Direito do Patrimônio Cultural e Natural teve continuidade, na tarde desta quinta-feira (16), com a exposição de dois painéis que trataram de aspectos complexos no direito e na jurisprudência sobre o patrimônio cultural e natural. O encontro foi transmitido ao vivo no canal do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no YouTube.

O debate do tema “Aspectos complexos do patrimônio cultural e natural: os próximos 50 anos da Convenção do Patrimônio Mundial” foi presidido pelo ministro do STJ Mauro Campbell Marques, que falou sobre suas expectativas em relação ao evento: “A convenção não é uma mera carta, e sim um dogma. Que tenhamos, todos nós que habitamos a casa comum de que nos fala o Papa Francisco, o cuidar melhor desta casa, o planeta Terra”.

Na sequência, a diretora do Centro Lúcio Costa, Cláudia Baeta Leal, lembrou que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) é formada por todos, sobretudo, por aqueles que se esforçam para discutir as categorias e procedimentos que definem o patrimônio mundial. “Penso que essa noção da Unesco e de seus procedimentos, que estão abertos a provocações, desafios e revisões, estejam no centro deste simpósio e, especificamente, desta mesa, que está discutindo aspectos complexos do patrimônio cultural e natural para os próximos 50 anos”, afirmou. 

O prefeito de Ouro Preto (MG) e ex-ministro da Cultura Angelo Oswaldo de Araújo Santos lembrou que a realização do simpósio veio em hora oportuna e que será marco de um tempo novo. “No último quadriênio sofremos muito no campo do patrimônio cultural e natural do país. Vivemos agora um momento de reconstrução que é saudado por este simpósio internacional, onde todos nós que militamos neste campo temos a oportunidade de poder agir e colher respostas positivas”, disse ele. 

O presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Leandro Grass, discorreu sobre a reestruturação do órgão, desafios e complexidades:  “O IPHAN de 2023, de 2024 e que vai ser o de 2050, e a agenda do patrimônio, vão depender muito do que estabelecermos hoje. Nesse contexto, quero dizer que a principal característica dessa nova gestão é o diálogo e uma postura de abertura para uma construção colaborativa”, enfatizou.

Já o professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário da Convenção da Biodiversidade, Braulio Dias, comentou que a maioria das pessoas acha que a natureza existe como algo independente da humanidade. “A relação entre natureza e cultura é intensa. Na Amazônia, por exemplo, os povos indígenas domesticaram cerca de 140 espécies de plantas nativas. Trata-se de um patrimônio importantíssimo porque é a base da nossa segurança alimentar”, frisou.

Concluindo o painel, o vice-presidente do International Council on Monuments and Sites (ICOMOS), Leonardo Castriota, questionou qual é a contribuição que cada região do mundo pode fazer para que a Convenção avance. “Enquanto América Latina, no ano passado, fizemos o segundo simpósio da região latino-americana que foi, também, o quinto simpósio do Brasil. Nesse encontro apareceram alguns temas lastreados na ideia de paisagem, que são contribuições importantes do nosso continente para convenção”, afirmou.

Direito e jurisprudência

O último painel do dia explorou o tópico “Questões complexas no Direito e na jurisprudência brasileiros sobre patrimônio cultural e natural: patrimônio histórico, artístico, paisagístico, arqueológico e etnográfico”. A presidência da mesa foi exercida pelo ministro do STJ Gurgel de Faria, que registrou o simbolismo do evento ocorrer em Brasília: “Estamos celebrando os 50 anos em uma cidade que faz parte do patrimônio cultural da humanidade”.

Iniciando o debate, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Fernando Akaoui explanou a respeito das consequências das degradações ao meio ambiente para a saúde. O magistrado reforçou que a preservação do patrimônio tem importância vital e reforçou a necessidade de se trabalhar com a dimensão da saúde mental e social como impactantes quando há violação a direitos ou à preservação do patrimônio cultural. Segundo ele, tal componente é “fundamental nas ações para a proteção e tutela desses direitos”.

O desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) Caetano Levi Lopes debruçou-se sobre tópicos da convenção para a proteção do patrimônio, cujo cinquentenário é comemorado no simpósio, abordando especificamente os aspectos de preservação do patrimônio cultural. O expositor pontuou que todos os lugares têm bens culturais, não apenas as grandes comunidades, e que é “de fácil contestação que os instrumentos para proteção variam ao longo do tempo”. 

Em complemento às discussões, o desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) Francisco Luciano Lima Rodrigues promoveu reflexões sobre tombamento de uso, abordando perspectivas de estudiosos e especialistas, bem como a jurisprudência da questão. De acordo com o palestrante, o tombamento de uso pode ser entendido como “uma forma de preservação do patrimônio cultural que vai muito além da simples preservação do objeto, do prédio, da obra, e que alcança um dos elementos indissociáveis do objeto, cujo valor social intrínseco impede de separá-lo do objeto”.

A procuradora da República em Minas Gerais Silmara Cristina Goulart dissertou sobre o combate ao tráfico de bens culturais, que se situa no topo da lista dos maiores tráficos do mundo, e a necessidade de se desenvolver um olhar diferenciado para os conjuntos urbanos tombados e os bens considerados patrimônios mundiais da humanidade pela Unesco: “Nós precisamos avançar nos próximos anos para uma legislação específica do combate ao tráfico de bens culturais e temos o grande desafio de trazer a convenção para a vivência diuturna de nós, operadores do Direito”. 

Já a procuradora-geral do IPHAN, Mariana Karam, tratou da fragmentação da legislação de proteção do patrimônio cultural, da participação do instituto nos processos de licenciamento ambiental para proteção de bens arqueológicos e da necessidade de se priorizar o diálogo interinstitucional e as soluções de consenso. “Precisamos conversar sobre o patrimônio cultural de forma mais ampla e universal buscando soluções aos problemas enfrentados na conservação e na promoção do patrimônio cultural brasileiro”, sugeriu a expositora.

Por fim, a juíza Admara Falante Schneider, representante da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), compartilhou a sua experiência profissional vinculada à preservação de patrimônios no município de Paraty, bem como no Rio de Janeiro. “Nós precisamos de um olhar bem arguto em relação a todos os elementos que compõem os conceitos de direito ambiental, natural, cultural e histórico”, pontuou.

O evento

O “Simpósio Internacional de Direito do Patrimônio Cultural e Natural – 50 anos da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural: os próximos 50 anos” é uma realização do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

O simpósio também contou com o apoio da Embaixada da França no Brasil, da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) e da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

A coordenação-geral do evento está a cargo do vice-presidente do STJ e do CJF, corregedor-geral da Justiça Federal e diretor do CEJ, ministro Og Fernandes. Já a coordenação científica é do ministro do STJ Herman Benjamin. 

Acompanhe

O encontro será finalizado na sexta-feira (17), com a apresentação da “Declaração Judicial de Brasília sobre Juízes e Patrimônio Cultural e Natural”, seguida da conferência de encerramento.

Confira a programação completa na página do evento.

Este site usa cookies e solicita seus dados pessoais para aprimorar sua experiência de navegação. We are committed to protecting your privacy and ensuring your data is handled in compliance with the General Data Protection Regulation (GDPR).