Quarta Turma decide renovar julgamento após entender que critério utilizado no voto médio não representou maioria

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu convocar um ministro de outro colegiado e renovar o julgamento de recurso especial que discutiu a necessidade da comprovação de má-fé para a aplicação da pena de sonegados, nos termos do artigo 1.992 do Código Civil.

Em questão de ordem proposta pelo ministro Luis Felipe Salomão, a turma concluiu que a utilização do critério do voto médio, aplicado no julgamento, não correspondeu à decisão da maioria sobre o tema.

Na origem do caso, duas herdeiras ajuizaram ação de sonegados contra a segunda esposa do pai falecido e os filhos nascidos dessa união. Alegaram que a madrasta, nomeada inventariante após a morte do pai, deixou de colacionar ao inventário bens que pertenceriam a todos os herdeiros e que teriam sido alienados por ela e por um de seus filhos.

As autoras afirmaram ainda que o registro dos imóveis em nome dos irmãos – menores à época –, mediante a assistência da mãe, configurou irregular antecipação da legítima.

Em primeiro grau, a ação foi julgada procedente, mas o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) limitou a aplicação da pena de sonegados à viúva inventariante. Houve recurso das duas partes.

Divergência quanto à necessidade de interpelação para a pena de sonegados

Ao analisar o recurso da segunda esposa e de seus filhos, a Quarta Turma afastou a pena de sonegados em relação a ela, por entender que tal penalidade não se aplica à meação da viúva não herdeira.

A dúvida que motivou a questão de ordem do ministro Salomão diz respeito apenas ao recurso das autoras da ação. Em relação a ele, houve um voto (de Salomão) pelo reconhecimento da sonegação, e dois (da ministra Isabel Gallotti e do ministro Marco Buzzi) em sentido contrário. O desembargador convocado Lázaro Guimarães, relator inicial do feito, não conheceu do recurso, e o ministro Antonio Carlos Ferreira se declarou suspeito.

Na ocasião, Salomão votou pelo provimento do recurso por entender que a mera ocultação do bem é suficiente para a aplicação da pena de sonegados, sendo prescindível a interpelação para comprovar o dolo – embora, a seu ver, ela tenha sido realizada no caso.

“As autoras procederam à interpelação dos réus, nos autos do inventário, indicando os bens que teriam sido objeto de doação inoficiosa, o que foi negado pela viúva. Os irmãos unilaterais – que se tornaram capazes civilmente antes da extinção do procedimento especial – quedaram-se silentes sobre a referida liberalidade que os favorecera”, afirmou o magistrado.

Relatora para o acórdão considera indispensável prova de má-fé

Por outro lado, Isabel Gallotti – designada relatora para o acórdão após ter sido acompanhada por Marco Buzzi – entendeu que a pena de sonegados exige prova de má-fé na ocultação de bens, o que, em geral, só se configura após a interpelação do herdeiro sobre a existência de patrimônio sonegado.

No caso em julgamento, ela verificou não ter havido a interpelação dos herdeiros, mas apenas da inventariante, e, como as instâncias ordinárias reconheceram não ter sido provada má-fé da parte deles, concluiu que não ficou configurado o dolo para a aplicação da pena de sonegados.

Ao constatar que não foi alcançada a maioria regimental – mínimo de três votos convergentes –, a turma julgadora deliberou pela adoção do critério do voto médio, considerando o quórum obtido pelo entendimento da ministra Gallotti.

A decisão foi contestada em embargos de declaração pelas autoras da ação, sob o fundamento de que o critério utilizado pelo colegiado não correspondeu ao entendimento da maioria.

A dispersão qualitativa é mais complexa que a quantitativa  

Ao propor a questão de ordem durante o julgamento dos embargos, Salomão lembrou que foram definidos três entendimentos divergentes para se chegar ao resultado dado à controvérsia. “É sabido que o alcance da maioria de votos de seus respectivos integrantes constitui a própria essência do julgamento colegiado”, disse.

O ministro destacou que houve, no caso, dispersão qualitativa – em que se verifica a incompatibilidade absoluta entre os votos proferidos sobre o tema –, e não apenas quantitativa. Para ele, “a dispersão qualitativa exige técnica de maior complexidade”.

Salomão mencionou o julgamento do HC 240.949, de relatoria do ministro Antonio Saldanha Palheiro, no qual foi reforçada a tese de que, havendo desencontro de posicionamentos dos julgadores, deve prevalecer o voto que represente um meio termo entre as soluções apresentadas.

“Entendo que a consagração da tese, como voto médio, no sentido da impossibilidade de aplicação da pena de sonegados aos herdeiros, sem nenhuma ressalva, em detrimento da tese que, em sentido contrário, concluiu pela aplicação da penalidade civil aos herdeiros, não me parece a tese representativa do colegiado como voto médio”, concluiu Salomão.

Regimento interno e CPC respaldam a solução encontrada

Outro ponto levantado pelo ministro é que, diferentemente do que ocorre em outros tribunais, não existe no STJ regra específica para a dispersão de votos, mas, ainda assim, a análise do regimento interno da corte em conjunto com as previsões do Código de Processo Civil (CPC) possibilita chegar a uma solução para a controvérsia.

“Caracterizada a dispersão qualitativa de votos, a solução adequada à espécie será a convocação de julgador integrante de colegiado diverso, a fim de que proceda ao julgamento do recurso especial”, declarou.

Ainda não há data marcada para a renovação do julgamento.

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