A despedida prematura de Paulo de Tarso Sanseverino

No último dia 8, entre a Sexta-Feira Santa e a Páscoa, a comunidade jurídica brasileira foi atingida em cheio com a notícia da partida de um de seus grandes expoentes: falecia, naquele sábado, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo de Tarso Sanseverino, após uma longa luta contra o câncer.

Desde então, muito se disse sobre a vida e a carreira do ministro – a presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, citou o seu legado como jurista e professor; os demais ministros, reunidos nas turmas e nas seções, destacaram a sua vocação jurídica e o perfil sempre gentil e humano. Outras qualidades foram lembradas na sessão especial do Pleno e na missa desta quinta-feira (13).

No entanto, quanto mais se fala sobre o magistrado gaúcho, a impressão é que mais ainda se tem a dizer. Uma sensação que provavelmente decorre da sua múltipla e exitosa atividade jurídica – começou como servidor do Judiciário e foi promotor, juiz, desembargador, professor de direito, ministro –, mas, ao mesmo tempo, denuncia uma despedida precoce, muito prematura. Ele tinha apenas 63 anos de idade.

Nas palavras de quem buscou dizer algo sobre o ministro, há um sentimento comum de que melhor seria não dizer nada, se fosse possível silenciar para, em troca, ouvi-lo por muito tempo ainda.

Sanseverino participou de sua última sessão de julgamento no dia 22 de março, na Segunda Seção, colegiado que integrou durante todo o seu tempo no STJ, assim como a Terceira Turma (também passou a compor a Corte Especial em 2021). Terminou a judicatura como começou: trabalhando até quando a saúde lhe permitiu, doando-se de “corpo, alma e espírito”, como já anunciava o então presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, ao empossar o novo integrante do Tribunal da Cidadania, em 10 de agosto de 2010.  

O ministro dos precedentes

Durante os mais de 12 anos na cadeira 27 do STJ – anteriormente ocupada por Denise Arruda, Ruy Rosado e Athos Carneiro –, Paulo de Tarso Sanseverino ajudou a construir uma robusta jurisprudência no direito privado, em áreas como telefonia, direito imobiliário e relações de consumo.

Foi no campo do sistema de precedentes qualificados que Sanseverino se destacou com ainda mais evidência: atuando como relator, conduziu o julgamento de pelo menos 36 recursos especiais pelo rito dos repetitivos; como promotor de políticas judiciárias, desde 2014, o ministro presidia a Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas do STJ, responsável por estabelecer parâmetros de tramitação e análise de casos representativos de controvérsias no tribunal, e por criar mecanismos de cooperação e diálogo com outros tribunais brasileiros na gestão de precedentes.

Em temas complexos e controvertidos, o ministro se preocupou em ampliar o debate para garantir um julgamento o mais equilibrado possível. Apegado a esse propósito, em 2014, Sanseverino realizou a primeira audiência pública da história do STJ para discutir o sistema credit scoring – tipo de pontuação usada por empresas do setor financeiro para decidir sobre a concessão de crédito aos consumidores, que era objeto de ##recurso repetitivo## (Tema 710).

À época, como destacou o ministro ao votar como relator, o STJ partia “praticamente do zero” na análise desse tema, pois ainda não havia, do ponto de vista jurídico, definições claras sobre o credit scoring. Após ouvir todas as partes interessadas, Sanseverino, acompanhado de forma unânime pela Segunda Seção, entendeu que o sistema é válido, mas, na avaliação do risco de crédito, as instituições bancárias devem respeitar os direitos garantidos por lei ao consumidor, como a privacidade e o esclarecimento sobre os dados consultados, sob pena de indenização por danos morais.

Sanseverino também promoveu uma audiência pública em 2015, para subsidiar o julgamento do Tema Repetitivo 898, que discutia a possibilidade de atualização monetária nas indenizações por morte ou invalidez do seguro DPVAT.   

Durante a audiência, Sanseverino comentou em entrevista que o assunto era polêmico e vinha recebendo soluções diferentes nos tribunais, o que recomendava a pacificação da controvérsia pelo STJ. Novamente por unanimidade, seguindo o voto do relator, a seção decidiu que a atualização monetária deveria incidir sobre o seguro DPVAT desde a data do evento danoso.

A dimensão da ausência

E assim seguiu Sanseverino, conduzindo discussões importantes que se transformariam em teses de precedentes qualificados – como a legitimidade da Telebras para responder a processos sobre complementação de ações (Tema 910) e o caráter abusivo do ressarcimento, pelo consumidor, da comissão do correspondente bancário (Tema 958).

Seu papel na formação da jurisprudência do STJ foi marcado por muitas outras teses relevantes, como a plena eficácia da ##sentença## arbitral estrangeira no Brasil após a homologação (REsp 1.203.430) e a abusividade da negativa de cobertura, por plano de saúde, de despesas com cirurgia de gastroplastia necessária à sobrevivência do paciente (REsp 1.249.701).

Entre as diversas funções que exerceu após se tornar ministro, foi coordenador de grupos de trabalho para o aprimoramento da legislação e do Judiciário – o último deles, criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é destinado a propor um protocolo para escuta especializada e depoimento de crianças e adolescentes em processos sobre alienação parental. Foi, também, como ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o fiscal da propaganda nas últimas eleições gerais.

A contribuição para a jurisprudência e a multiplicidade de funções que exerceu transmitem uma noção da importância de Paulo de Tarso Sanseverino para o sistema jurídico brasileiro e, ao mesmo tempo, indicam a dimensão de sua ausência. Para quem se despede, fica a lição do ministro durante aula magna no Centro de Estudos de Direito Econômico e Social, sobre o principal valor a ser cultivado por aqueles que, diariamente, decidem ##repetitivos## ou ações comuns, casos simples ou complexos, na primeira instância ou no STJ.

Certamente teve, ministro.

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