Lançamento no STJ reúne academia e Judiciário em debate sobre standards de prova

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) sediou, nesta quarta-feira (30), o lançamento da obra Prova sem Convicção: standards de prova e devido processo, do professor espanhol Jordi Ferrer-Beltrán, traduzido para o português por Vitor de Paula Ramos.

O autor participou de uma roda de conversa sobre o tema com a presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, e com os professores Vitor de Paula Ramos e Gustavo Henrique Badaró.​​​​​​​​​

Jordi Ferrer-Beltrán discutiu o tema da obra com a ministra Maria Thereza de Assis Moura e os professores Vitor de Paula Ramos e Gustavo Henrique Badaró. | Foto: Lucas Pricken / STJFerrer-Beltrán lembrou que os sistemas jurídicos de origem latina não possuem tradição de discutir o tema de forma objetiva, tendo iniciado esse diálogo apenas nos últimos anos. Ele mencionou algumas obras acadêmicas brasileiras como exemplo dessa mudança recente.

O conhecimento é sempre limitado

“A verdade não é relativa, mas o conhecimento é sempre relativo e limitado”, alertou o professor ao explanar sobre a evolução das discussões a respeito da valoração da prova e de standards probatórios. Ele destacou que a verdade não é gradual, mas o conhecimento que se tem sobre ela, sim, sendo fundamental questionar em qual grau se atinge o necessário para embasar uma condenação, por exemplo.

Ao discorrer sobre o processo de suficiência de provas e a motivação das decisões, Ferrer-Beltrán afirmou que é preciso ter três etapas em mente: a justificativa da valoração individual das provas; a gradação do seu conjunto; e se essas provas satisfazem o standard necessário para o caso.

“Se não sabemos o standard para o caso concreto, como pode o magistrado justificar a decisão?”, questionou o autor a respeito da importância da discussão objetiva e técnica desse processo.

Um bom standard, na visão do professor, serve a três propósitos: garantia de critérios de justificativa; garantia, às partes, de racionalidade na decisão prolatada, inclusive para embasar tecnicamente os recursos; e a diminuição dos riscos de erro judicial. “Quanto maior o standard da prova, menor o risco da condenação de um inocente”, concluiu Ferrer-Beltrán.

Evolução do subjetivo para o objetivo

Moderador da roda de conversa, o professor e tradutor da obra Vitor de Paula Ramos elogiou a iniciativa do STJ ao ceder espaço para reunir academia e Judiciário na discussão do tema, pois ainda é comum haver um distanciamento entre ambos nesse tipo de assunto.

A grande contribuição de Jordi Ferrer-Beltrán, na visão do tradutor, é dar racionalidade ao processo, introduzindo controle intersubjetivo do processo de decisão e fundamentação. “Isso permite sair do ‘achismo’ e possibilita a um magistrado checar racionalmente a conclusão do outro”, comentou.

Vitor de Paula Ramos explicou que esses estudos permitem a evolução de um modelo subjetivo de apreciação de provas e standards para um modelo objetivo, sem retirar o elemento humano do processo.

O professor deu um exemplo prático dessa evolução ao mencionar a ginástica artística olímpica, que até 1948 era avaliada puramente com base no convencimento subjetivo do julgador, resultando em notas díspares sem qualquer justificativa. Após a criação de um standard com critérios técnicos e objetivos, naquele ano, foi possível questionar as notas e entendê-las, melhorando a qualidade das avaliações dos atletas.

Critérios de convencimento a serem avaliados

Gustavo Henrique Badaró disse que a obra, lançada agora no Brasil, vem preencher o vazio do livre convencimento do juiz. “Se o critério de convencimento é subjetivo, o juiz nunca erra, desde que esteja subjetivamente convencido”, comentou o professor ao reforçar a importância de critérios técnicos tanto para a valoração de prova quando para a definição de standards.

Ele também deu um exemplo prático, citando três panelas de água em ebulição como provas a serem analisadas: uma estava a 70 graus; outra, a 80; e a última, a 85. “Mas nenhuma delas chegou aos 100 graus, que são o standard para a evaporação”, afirmou. Segundo o professor, o livro apresenta um assunto denso de forma simples e clara, com o objetivo de evitar arbitrariedades no julgamento de uma causa.

A ministra Maria Thereza de Assis Moura considerou que a roda de conversa teve êxito ao comprovar a necessidade de a academia e o Poder Judiciário se reunirem para discutir um tema que é caro a ambos. Ela comentou que a discussão é recente, porém necessária, pois a teoria de valoração racional da prova contribui para decisões mais técnicas.

A presidente do STJ citou o artigo 155 do Código de Processo Penal ao abordar o significado da expressão “livre convencimento do juiz” e a necessidade de racionalidade nesse processo. Sobre os standards de prova, a ministra destacou que, realmente, o tema ainda recebe pouca atenção da academia e “menos ainda da jurisprudência”. Dessa forma, comentou, “cada juiz acaba fixando o seu standard“.

Participaram do evento a ministra Regina Helena Costa e os ministros Benedito Gonçalves, Rogerio Schietti Cruz e Joel Ilan Paciornik. Após a roda de conversa, houve uma sessão de autógrafos.

Este site usa cookies e solicita seus dados pessoais para aprimorar sua experiência de navegação. We are committed to protecting your privacy and ensuring your data is handled in compliance with the General Data Protection Regulation (GDPR).